Abri a porta devagar,
mas não entrei, deixei que a luz entrasse primeiro. Então se formou um breve
caminho luminoso no chão da sala. Minhas mãos, às cegas, apalpavam a parede a
procura do interruptor. E quando o encontrei, a luz da lâmpada incandescente
ofuscou-me os olhos.
Aos poucos deixei a
luminosidade invadir meu campo de visão. Observei os móveis, tudo tão familiar
e tão diferente.
– O tempo realmente passou rápido
demais!- exclamei em pensamento, pois parece que foi ontem a ultima vez que
estive aqui. Isso é um mero engano! Já se passaram quinze anos.
Os móveis estavam todos
empoeirados, as paredes, antes branquíssimas, agora amareladas pelas
infiltrações, e os vasos estavam sem flores. Esse último item chocou-me
ferozmente, o vaso estava sem flores...
Essa era a resposta
para a minha pergunta, minha angustiante pergunta. E ela estrangulou-me os
sentidos, trazendo a tona meus dolorosos segredos, pois agora sei que Ela, também não estivera mais aqui.
Isso me fez chorar
internamente, a esperança de reencontrá-la aqui, se fora. As lágrimas estavam
sufocando minha garganta, mas não transbordavam os olhos. Então, larguei um
sopro frio e angustiante, e pude sentir o hálito de “carlton red” invadir-me as
narinas.
O peito estava
contraído, o vaso sem flores, ele nunca estava sem flores. Eram vários tipos de
flores e de varias cores, mas as suas preferidas eram os lírios de São José, no
qual ela acreditava ser a combinação perfeita para a nossa casa. A nossa combinação
perfeita.
Finalmente entrei e
deixei a porta se fechar pelas minhas costas, fazendo um ruído indesejável.
Sentei no sofá da sala e instantaneamente espirei por causa da poeira e do
cheiro de mofo que preencheu meus pulmões.
Levantei, caminhei para
a cozinha, procurei por uma fatia de bolo de chocolate imaginaria na geladeira.
Depois, direcionei os olhos para o balcão, onde novamente estava um vaso sem
flores. Passei o dedo indicador sobre a porcelana, traçando uma circunferência,
e o resultado foi exatamente o esperado: a ponta do dedo ficou empoeirada e o
formato de um circulo no corpo do vaso.
Respirei fundo,
inalando o cheiro fétido da desesperança. Caminhei para o quarto, o nosso
quarto, o criado mudo sem lírios, a cama gasta pelo tempo, as janelas trancadas
e a penumbra de um homem no espelho.
Forcei os olhos para
observá-lo melhor. Os poucos cabelos que restavam, tendiam para um prateado
estático e engraçado, os lábios ressecados e os olhos sofridos, sem brilho, sem
chama. Um homem velho e amargurado, vestindo uma camisa azul quadriculada e uma
calça Jeans desbotada, com a barriga protuberante por causa da cerveja e a
barba para fazer.
Observei uma gota
cristalina que brilhava no olho esquerdo do homem no espelho. Dei um meio
sorriso, um daqueles que se é forçado, e o homem do outro lado repetiu meu
gesto. Então, seus olhos viraram ao lado para fitar a cama vazia, as lembranças
inevitavelmente vieram à memória, e pude sentir o ar quente que os corpos
exalavam nas noites em que faziam amor.
Decidi sair do quarto,
para tentar apaziguar o coração, antes forte, agora fraco e debilitado.
Retornei para a sala, onde ascendi uma vela e apaguei as luzes. Coloquei-a na
mesinha de centro, sentei no chão entre a mesinha e o sofá, aproximei o vaso
sem flores e depositei o lírio de São José que havia comprado na floricultura
da esquina, na esperança de lhe entregar pessoalmente. O lírio tombou para o
lado devido o vaso ser grande demais para uma única flor, e soltei uma risada
pela aparente insignificância do episódio.
Enfiei a mão no bolso
da calça e puxei uma caixa de remédios, comecei a contar pílula por pílula,
depositando-as em cima da mesinha de centro. Ao fim da contagem, ascendi um
cigarro e disse num sussurro: - Logo irei te encontrar, meu Amor.
Comecei a engolir em
seco, pílula após pílula, uma por uma, até extinguirem-se completamente.
Respirei fundo, dei um último trago no cigarro antes de apagá-lo num cinzeiro
de prata empoeirado, e enquanto não adormeço, observo a chama queimar o pavio
da vela.
O fogo balança
graciosamente aos embalos dos fiapos de vento que entram pelas frestas da
janela. Um tom de primeiro azul, depois laranja e amarelo. A cera desfazendo-se
aos poucos de acordo com o movimento peculiar da chama. Uma hora ela chegará ao
fim e apagará. Como um sopro de vida que finda, que morre, que desaparece.
Eu sou assim! Como uma
vela acesa no meio da escuridão. É a única luz que luta bravamente para
iluminar o local. Mas a chama está chegando ao fim, logo irá apagar. E eu adoro
o cheiro de vela queimando...
II Prêmio Proex/UFPA de Literatura. Sem lírios, chama e esperança. In: Pró reitoria de extensão da Universidade Federal do Pará. (Org.). Antologia: poesias, crônicas e contos. 2ed. Belém: Universidade Federal do Pará, 2011, v. I, p. 219-221.
ISBN: 978-85-63728-06-7
Maina, que lindo!!!! Foi maravilhoso vc começar com o seu conto, q por sinal eu adorooooo.... Quando leio sem liros, chama e esperança fico sem palavras... Simplesmente, amoooo.... Parabéns pelo blog, ficou a sua cara... Tudo nele me lembra vc... Realmente ficou seu cantinho... E já me preparando pra ler muitos textos seus... Hehehehe....
ResponderExcluirAssim vc me emociona mana... Obrigada por sempre está ao meu lado e por me ajudar na criação do blog hehehehe...obrigada por todo... #mysisteriseverything
ResponderExcluirLindo demais, amei! Parabéns.
ResponderExcluirTrès bien, chérie!
ResponderExcluirEu tenho o livro, mas vim ler denovo... hehehe
ResponderExcluirwww.livrosterapias.com.br
Que lindo mana. Parabéns pelo seu lindo espaço Adoro esse conto (também tenho o livro 🙌). Consigo visualizar e até mesmo sentir os cheiros desse conto. Ele de fato me encanta.Parabêns mana linda do meu 😏j😇
ResponderExcluirUma jovem escritora, com um maduro coração. Parabéns pelo conto e pelo blog, Maina!
ResponderExcluirObrigada Regina! :)
ExcluirMah... perfeito, envolvente, estou sem palavras... minha mente ficará em espiral com esse conto eternamente, vc conseguiu fazer com que ele faça parte da minha existência
ResponderExcluirPerfeito o conto, da pra sentir a angustia deste homem velho e amargurado, parabéns pelo blog e esperamos por mais e mais..
ResponderExcluirNossa Maina, que lindo conto!
ResponderExcluirParabéns :)