- Não te amo mais... – Foram
essas as últimas palavras que ouvi quando ela me deixou, restando apenas um eco
agudo do cachorro que latia na vizinhança, aquele latido que mais parece um
grito de apelo.
Foi assim quando ela me deixou,
deixando para trás o seu cheiro pelas paredes da minha casa, ainda algumas
peças de roupas e seus porta retratos espalhados pela sala.
Na noite em que ela me deixou
estava fazendo frio, mesmo assim eu suava demasiadamente pelo desespero por ela
ter me deixado. Após o estrondo que a porta fez ao fechar, eu fiquei para trás,
encostando as costas na porta e sentando no chão, então, abracei meu corpo
ficando em posição fetal como uma forma de proteção, onde nenhum mal pudesse me
atingir.
Quando ela me deixou não consegui
chorar, ela não levou meus LPs de rock, nem minha coleção de quadrinhos. Ela
levou apenas ela própria, levou seu corpo quente, sua respiração suave e suas
palavras doces, levou sua mania de tomar chá antes de dormir, levou o seu mau
humor matinal, levou também seu sorriso quando eu falava bobagens.
Não consegui dormir no dia em que
ela me deixou. Fiquei remoendo suas últimas palavras e durante a noite inteira,
tentei entender quando ela deixou de me amar. Pensava, pensava e pensava, até
que sem forças e sem respostas, no chão da sala, no tapete surrado ao pé da
porta, o sol começou a agredir meu rosto, sol já alto e forte, e pensei: - Puta
que pariu, preciso ir para o trabalho.
E assim foi quando ela me deixou,
fui trabalhar, voltei para casa, trabalhar de novo e voltar para casa. Seguindo
a constante rotina, sem nenhuma forma de emoção, pois ela havia levado consigo.
Aos finais de semana eu jogava
vídeo game e sempre comia biscoitos e salgadinhos, saia de casa apenas para
comprar mais cerveja e também voltei a fumar.
Quando ela me deixou o violão
ficou empoeirado. Não havia mais seu rosto pálido e olhos fundos das noites mal
dormidas ou não dormidas nos seus momentos de composição. Ela se separou do
violão e eu abandonei a música. Agora o Giannini chora calado.
Quando ela me deixou, o gato não
apareceu mais em casa. Porém, vez ou outra escutava um miado vindo do teto como
se chamasse por ela. E os dias foram passando, primeiros dias até tornarem-se
meses, meses após o dia em que ela me deixou. Eram dias sempre cinzas, ou como
ela dizia: - Hoje o dia tá gris.
Emagreci bastante depois que ela
me deixou, minhas roupas ficaram folgadas demais e eu andava sempre me
arrastando, olhos fundos e olhar perdido, minha tristeza era profunda e a
saudade doía na minha alma. E a cada hora que passava eu sentia ainda mais a
sua falta, a agonia rotineira das horas.
Quando ela me deixou as pessoas
se preocuparam comigo, amigos, familiares e alguns colegas de trabalho sempre
ligavam para perguntar se eu estava bem, respondia que sim e negava os
constantes convites para sair.
Até que um dia, depois que ela me
deixou, alguém bateu na minha porta. Na hora resmunguei internamente pensando
quem estaria me incomodando naquele momento, depois estremeci. – Será ela?
Olhei pelo olho mágico e me decepcionei. – Não era ela... Abri a porta devagar
e alguns amigos entraram.
- Viemos te resgatar – disse
Carminha – já chega desse papo, né?
- Pra que? – eu disse quase que
num sussurro – Eu estou bem...
- Bem porra nenhuma – esbravejou
Fernando – olha essa casa, cara, parece que passou um furacão aqui.
- Vamos, vamos, vamos Carminha,
me ajuda a dar um jeito aqui. – Agora foi Nídia quem falou.
E assim aconteceu, antes estava
só em casa com todos meus pensamentos apenas voltados para ela e agora essas
pessoas invadiram-me. Eram amigos, eu sei, porém aquilo me incomodou, era uma
invasão repentina que me proibia de dedicar todos os meus pensamentos para ela.
Fernando é meu melhor amigo, nos conhecemos desde que me lembro. Carminha é uma
ex-namorada que depois de tantos cigarros, tequilas e amassos na época da
faculdade, acabamos nos tornando inseparáveis. E Nídia é a menininha, a
estudiosa do grupo, a conselheira, todos a amam pelo simples jeito que ela olha
para a gente, como se lesse a alma das pessoas. É com ela que eu precisava
conversar.
E juntos arrumamos a casa. Tomei
um banho e Carminha fez um almoço decente. Comi bem pela primeira vez depois de
meses e bebemos um vinho que Fernando havia trazido. Esse foi um dia bom depois
que ela me deixou. Após o almoço fomos à praia. Foi bom sentir o sol na minha
pele aquecendo aos poucos cada célula do meu corpo, ao mesmo tempo em que o
cheiro do mar entranhava em minhas narinas. Lembrei dela, de como ela adorava o
mar, de como gostávamos de afundar os pés na areia e deixar a onda vim molhar,
lembrei das inúmeras vezes em que juntos vimos o pôr do sol enquanto eu
acariciava seus cabelos.
Depois que ela me deixou restou
apenas às lembranças.
- Se perdeu em pensamentos?
- É Nídia, difícil não lembrar. –
Eu respondi.
- Tenta ficar bem, meu anjo, não
gosto de te vê assim.
- Assim como?
- Triste.
- Mas tudo é tristeza, Nídia, não
existe alegria em sua plenitude, o que existe são momentos felizes. – Pronunciei
com bastante ênfase tais palavras.
- Nossa... não precisa ser assim!
– Ela respondeu incrédula – É claro que podemos ser felizes, mas cada um
encontra sua felicidade de maneiras diferentes.
- Não concordo Nídia. A alegria
não será o grito desesperado da tristeza? Todos nós somos infelizes, como já
disse, não existe felicidade e sim momentos felizes, são os nossos gritos
desesperados. A tristeza está em tudo, tudo é tristeza. Quem não é triste não é
nada.
- Hum... – Ela murmurou.
- O que foi? – Indaguei.
- Eu sei que tá doendo, sei que
dói na alma e que você chora internamente com o coração apertado todos os dias
depois que ela te deixou, porém eu preciso te falar uma coisa.
- O que?
-Cuidado com a tristeza, com toda
essa tristeza aí dentro, ela pode se tornar um vício.
E assim o dia terminou. Voltei
para casa com as palavras de Nídia na mente. Então no outro dia decidi que
tentaria ficar melhor. Voltei a malhar, cuidei melhor da casa e da minha
alimentação, fiquei mais eficiente no trabalho e voltei a sair com os amigos e
colegas.
Os dias foram passando lentamente
e comecei a sair com outras garotas. Sempre em festas, escolhia a que mais se
parecia com ela, com os longos cabelos encaracolados, seios pequenos e
durinhos, as pernas grossas, o aparelho nos dentes e um sorriso esticado
fazendo-me arfar. Porém, o olhar nunca era parecido, não era o castanho doce
que ela tinha e então tudo desmoronava de novo.
Após o sexo eu acendia um cigarro
e olhava pela janela, sentia-me medíocre, seguido de uma vontade louca de sair
correndo, mas não o fazia, respirava fundo e engolia a seco e pensava: - Não é
ela, não é ela, não é ela.
Assim houve várias mulheres, com
o tempo comecei a escolher mulheres diferentes dela, na esperança de que assim
eu pudesse esquecê-la. Tudo foi inútil. Então comecei a sair com homens também
e foi bom, conheci muita gente interessante. Tive várias experiências boas e
algumas ruins também, mas ao voltar para casa, pegava-me pensando nela e me
sentia profundamente só.
Quando ela me deixou ela não me
disse como iria esquecê-la, tudo o que fiz no fim das contas foi viver um dia
de cada vez e assim um ano se passou. Até que cansei de tantas farras e
ressacas sem muitas vezes lembrar o nome da criatura que dormiu ao meu lado.
Resolvi maneirar nas aventuras sexuais e sair com alguém quando achasse que
realmente valia à pena. Não encontrei ninguém.
Adotei um cachorro vira-lata que
havia sido abandonado na minha porta e isso me fez muito bem. Ele é todo preto
com os pelos esfiapados e tem sempre uma carinha de abandonado, chamei-o de Edward,
porque me fazia lembrar o Edward, Mãos de Tesoura. Quando brincava com Edward,
eu me sentia feliz, e quando a tristeza novamente invadia-me a alma ele sempre
colocava a cabeça no meu colo e me olhava como se soubesse o que eu estava
pensando, seu olhar me dizia que ele estava ali comigo e que não iria me
deixar.
Passaram-se mais e mais dias
depois que ela me deixou. Um dia, arrumando o guarda-roupa, encontrei uma
camisa que era dela, camisa preta já desbotada com a estampa do The doors.
Respirei com sofreguidão e a cena me entorpeceu de tal forma que era como se
não houvesse mais nada no mundo perante meus olhos, existia apenas a cena
perfeita da nostalgia.
Sem palavras esdrúxulas, sem
palavras sórdidas, não havia espaço para mais nada. E não havia nada.
Simplesmente não restava nada. Só que de repente o nada se transformou em
canção. Uma melancólica canção, fazendo as nuvens chorarem.
Foi quando percebi que não
conseguia viver sem ela, como se não soubesse antes. Eu já sabia, mas a
diferença é que agora pude admiti-la com total veemência transformando as
ilusões em sonhos novamente, e ficou tão claro em minha mente que até ofuscou o
meu campo de visão.
Pressionei as persianas
fazendo-as lacrimejar e precisei afogar meus ímpetos. Não podia agir por
impulso - calma Anne - falei em voz alta para mim mesma, calma, era preciso um
plano, afinal, eu iria reconquistá-la.
E assim foi quando ela me deixou.
Ótimo texto, como sempre. Gosto muito de ler seus escritos rssss.
ResponderExcluirBjnhs
Umacabrazinha
Gente... que lindo, Maina! Adorei!
ResponderExcluirUau. Lindo! Lindo mesmo! Parabéns...
ResponderExcluirOi, Maina!
ResponderExcluirPrimeira vez aqui e já sou recepcionada por esse texto lindo. Parabéns!
Beijos
Balaio de Babados
Lindo mesmo!
ExcluirAssim que me sinto até hoje
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